Moradores de Brumadinho/MG há mais de nove anos, o casal belorizontino Rosemeire e Anderson faz trabalhos artesanais com materiais reciclados na comunidade do Aranha.
Começaram a atividade para enfeitar a própria casa e, hoje em dia, vendem diversas peças para habitantes das comunidades vizinhas e região. Além da reciclagem, também atuam com o cultivo de suculentas para colocar nos suportes reinventados.
Confira abaixo a entrevista realizada pelos arte-educadores Fernanda Nascimento, Pablo Araújo e Priscila Mathilde com os artesãos e descubra o importante trabalho sustentável que eles realizam. Siga a leitura!
De onde surgiu a ideia de reinventar com materiais que iam para o lixo?
Rosemeire: Nós somos de Belo Horizonte. E quando nos mudamos para cá há nove anos, chegamos numa situação um pouco difícil e o Anderson foi trabalhar no Inhotim. Um dia, ele trouxe uma planta de lá e pensei: “Onde vou plantar?”. A gente não tinha vaso, então peguei uma garrafa PET, arredondei as bordas dela e plantei.
Depois, houve uma vez em que, na Escola Municipal Leon Renault estavam pedindo aos alunos para levarem algum objeto feito de material reciclado. Eu fiz, mandei e a professora responsável pela tarefa se interessou, perguntou quem tinha feito e quis me conhecer. Com isso, as crianças viram os potinhos em formato de borboleta, tartaruga e até mosquito da dengue que a gente fez e gostaram muito.
Então, quando teve uma Feira de Cultura de Piedade do Paraopeba, eles nos chamaram. Daí, nossos trabalhos já foram mostrados em muitos lugares, através da comunidade. A partir disso, comecei a investir nas plantas e, de repente, eu fiquei conhecida como a Rose das Flores. Fomos nos aperfeiçoando na reciclagem e com as plantas e, hoje em dia, a gente recicla tudo.
Como é o processo de reciclagem? E de onde vêm os materiais?
Anderson: A gente mesmo sai procurando. Tem uma borracharia [em Brumadinho] onde eu passo e pego calotas, pneus de moto e carro. Chegando em casa, nós olhamos os materiais e pesquisamos ideias na internet. A gente já inventou e segue criando muitas coisas: moto, burrinho, tucano, papagaio, calça jeans com cimento e até bicicleta velha!
Rosemeire: A gente recicla tudo, tudo mesmo. Não perdemos nada. Até sutiã eu tô reciclando, faço vaso com moldura de quadro ou porta retrato para suculenta.
Como é realizar esse trabalho que também contribui com o meio ambiente?
Rosemeire: Muitos desses materiais levam muito tempo para desaparecer no meio ambiente e, quando ao reutilizá-los, a gente tira eles do meio ambiente e ainda ganha uma renda. Além disso, uma parte importante do nosso trabalho é o cultivo de suculentas e uso delas no artesanato, uma planta que consome pouca água. Ou seja, você gasta pouco água e economiza.
O que vocês tem dentro da casa de vocês que é reciclado?
Anderson: Na varanda, fizemos uma pia de pneu e um banco feito de uma cabeceira de cama. A mesa que a gente almoça é feita de uma porta de guarda-roupa. E os pés desta mesa (que aparece na primeira foto) também são feitos de pneu.
Como é morar aqui no Aranha?
Rosemeire: Morar aqui é muito bom. É um lugar tranquilo, onde todo mundo se conhece, sem contar a área verde que nós ainda temos. Aqui existe uma lagoa onde a gente pode pescar, tem a Cachoeira da Toca que ainda tá limpa.
[A comunidade do Aranha] É um lugar de onde eu não pretendo sair nunca.
Comentem sobre os eventos que já participaram por conta do trabalho com reciclagem.
Rosemeire: Participamos do Festival de Jabuticaba, na praça principal da nossa comunidade. Estivemos em feiras na quadra [da Escola Municipal Leon Renault], onde mais pessoas colocavam seus trabalhos à venda.
Também há a Feira de Piedade do Paraopeba, para a qual a gente sempre é convidado. A Tânia Caramaschi sempre me convida para colocar os meus trabalhos lá. E a gente tá tendo o apoio da Casa de Cultura de Brumadinho. Antes eles não nos conheciam e agora estão dando uma oportunidade e incentivando a gente.
Além dos eventos, vocês já realizaram projetos em outros lugares?
Rosemeire: A gente fez um projeto na Escola Municipal com objetos recicláveis, juntamente com a professora Gislaine Teófilo. Nós fomos na escola, apresentamos o trabalho e falamos da importância de reciclar. Depois, eles vieram na minha casa, olharam como a gente recicla.
Também fiz uma palestra para crianças e apresentei meu trabalho na Feira de Cultura [de Piedade do Paraopeba]. Além disso, me colocaram como Cidadã Bom Exemplo da comunidade do Aranha, em 2019, e fizeram um pôster para mim. Tenho até um certificado!
Trabalhar com as crianças me deu mais inspiração. Ver as carinhas delas, com dez ou onze anos. Até hoje alguns deles me veem na rua e me chamam de Tia Rose. O mais gratificante pra mim foi ser reconhecida por elas. Às vezes os adultos não reconhecem muito o trabalho da gente, mas para as crianças foi muito interessante.
Houve algo marcante que tenha acontecido com vocês nesse tempo?
Rosemeire: Quando começamos com esse trabalho, a gente “catava lixo”, éramos considerados catadores de lixo. Às vezes, a gente ficava com vergonha. E aconteceu uma coisa que quase me fez desistir.
Um dia, a gente tava mexendo na lixeira e passou uma senhora falando assim. “Nosso Deus! Vocês não têm vergonha de ficar catando lixo?”. Aí eu respondi: “Ô minha senhora, a gente recicla”! Então, em um outro dia quando eu estava na Feira de Cultura apresentando os meus trabalhos, a mulher estava lá e perguntou: “Quanto é esse burrinho? Você que vende isso?”. Aí eu me virei, ela me reconheceu e respondi: “Sim, eu reciclo. Tá aí o lixo que arrecado para a natureza não tão suja. É o meu trabalho”.
Aquilo ficou marcado. O fato dela ter comprado na minha mão — uma pessoa que tinha me deixado para baixo —, de repente subiu a minha autoestima. Ela comprou meu trabalho e achou lindo, maravilhoso!
Como é vocês trabalharem juntos?
Anderson: É a Rosemeire que dá as ideias, me orienta e eu faço. Ela começou a mexer com as suculentas e os vasos, e nós levamos para a praça para vender.
Rosemeire: Esse trabalho me ajuda muito, eu tinha depressão, e esse trabalho me ajudou muito. Quando eu fico sozinha, começo a trabalhar, fazer os vasos, limpar e mexer nas plantas: a reciclagem me ajuda muito mentalmente.
Fazemos arte do lixo ao luxo. Queria deixar uma mensagem para as pessoas que deem mais importância para a reciclagem. É importante se conscientizar mais, pensar em reciclar, para vender e ajudar a comunidade.
Aqui no Aranha não tem coletores que pegam o lixo separado. Às vezes, o pessoal joga o lixo misturado e às vezes não dá atenção para a natureza.
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O Conto de todos os cantos sobre Brumadinho conta com o patrocínio da Vallourec via Lei de Incentivo à Cultura, e com o apoio do Comitê Local de Piedade do Paraopeba e da Associação dos Moradores da Comunidade de Suzana (AMOCOS).
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